Programa do Jô

Nossa entrevista no Programa do Jô foi ao ar nesta terça-feira dia 21/maio. Não tínhamos visto a gravação desde então, e foi muito bom poder ver a entrevista de fora. Eu e o Guilherme somos suspeitos, mas adoramos a entrevista.

Obrigada Renata Hidalgo pela sua doçura. Obrigada Jô por reconhecer meu companheirismo com o Guilherme. Obrigada Jami, Cá e Rê pela presença e parceira nos camarins, platéia e comemoração posterior. Obrigada a todos os amigos queridos que ficaram acordados até tão tarde para nos assistir e aqueles que assistiram no dia seguinte. Obrigada famílias pelo amor de sempre, e por todas as pessoas que deixaram comentários carinhosos em nossos blogs e página no face.

Para quem não viu ainda, segue o link: http://tvg.globo.com/programas/programa-do-jo/O-Programa/noticia/2013/05/bianca-soprana-e-guilherme-canever-contam-suas-aventuras-pela-africa.html

Bianca Soprana e Guilherme Canever contam suas aventuras pela África

Psicóloga e engenheiro florestal contam que largaram seus empregos para passar três anos viajando o mundo

22/05/2013 às 11h31
Atualizado em 22/05/2013 às 11h31

Guilherme Canever e Bianca Soprana são casados e passaram três anos viajando o mundo. Parte dessa aventura está relatada no livro “De Cape Town a Muscat: uma aventura pela África”, lançada pela editora Pulp.

Segundo o casal, a ideia da viagem partiu de Guilherme, que desde criança gostava de conhecer lugares exóticos por influência de seu avô. “O foco foi na África e na Ásia, mas também fomos ao sul da Europa”, contou o engenheiro florestal.

O casal contou que eles tiveram que deixar seus respectivos empregos e pegaram todo o dinheiro que tinham guardado para financiar a viagem. “Na verdade, não precisamos vender a casa, porque ela não era nossa”, brincou Bianca.

Guilherme Canever e Bianca Soprana no Programa do Jô (Foto: TV Globo/Programa do Jô)Guilherme Canever e Bianca Soprana no Programa do Jô (Foto: TV Globo/Programa do Jô)

Delhi!

Apesar de todo barulho de Delhi, existem muitos lugares tranquilos para ficar. Nesse sentido a escolha pela região dos refugiados tibetanos foi perfeita. Silenciosa, pouco movimento de pessoas e carros, e hotel limpo e barato. Mas eu ainda me sentia mal do estomago desde Leh, e não foi fácil os primeiros dias.

Nas ruas.

Nas ruas.

Dia seguinte quis fazer uma massagem ayurvédica que há dias vinha pensando, mas o folder tornou o lugar muito mais interessante do que era. Saí cheia de óleo dos pés a cabeça e como estávamos longe do hotel, não tinha saída, tive que passar o dia daquele jeito.

Caminhando pelo centro percebi que os preços tinham aumentado. A Índia de 2010 era muito mais barata. Saindo do “restaurante” que almoçamos, vimos uma criança muito machucada, de cabeça baixa numa calçada, parecia ter uns 12 anos, tinha um olhar profundamente triste, e estava com a metade da sua bochecha rasgada como que por uma mordida. Com certeza era moradora de rua. Doía olhar para ela. Alguns indianos trouxeram comida para ajudá-la e ela não conseguia nem esboçar um sorriso, nem levantar a cabeça. Mas comia, com um ar não de prazer, mas de automatismo. A sensação que me passou é que ela vinha sofrendo intensos maus-tratos. O machucado no rosto dela era chocante. E a percepção de que algo extremamente injusto estava acontecendo ali, me tirou a paz. Tinha vontade de levá-la dali. Me senti muito impotente e estranha por não poder fazer nada por ela. Fiquei com aquela criança por dias e dias no meu coração.

Depois de passearmos bastante, mostramos alguns lugares especiais a Jami, e voltamos ao hotel para tomar um banho e ir ao cinema. Tivemos a sorte de ver um filme belíssimo, chamado Bol, recheado de dramas humanos típicos da região, sem final feliz. O casal romântico do filme (que longe de ser o tema principal, apenas mais um dos diversos temas levantados pelo filme), nunca se beijavam, só dançavam e se aproximavam, se insinuando um para o outro. Acho lindo esse romantismo antigo dos filmes de Bollywood. O filme durou pouco mais de 3 horas, com intervalo no meio com direito a pessoas lhe oferecendo comidas e bebidas. Voltei maravilhada com o filme, com as cenas, paisagens e música.

Mas ao voltarmos para casa mais uma outra cena me chocou. Centenas de rikishas (bicicletas-táxi) parados nas gramas, com seus motoristas dormindo em cima, todos tortos, de qualquer jeito. Depois de um dia de trabalho imenso, sobre duas rodas, levando pesos para lá e para cá a troco de centavos, naquelas temperaturas altíssimas, muitas vezes sendo explorados e mau tratados pelos seus clientes, numa competição desumana entre os outros motoristas de rikishas, no final do dia aqueles homens ainda dormiam na rua porque não valia a pena voltar para casa, talvez só no fim de semana para reencontrar suas famílias…

Eu chorei copiosamente vendo esta cena. Era um mar de gente. Uma mar!! Um grande mar!! É de matar imaginar a luta pelo pão de cada dia dessas pessoas. Verdadeiros heróis do nosso tempo!

Os indianos são sem dúvida um dos povos mais interessantes que tivemos o prazer de conhecer, seja por sua riqueza cultural e espiritual, passando pela luta diária de trabalho no meio daquela multidão de pessoas, quanto pelo jeito único e marcante que só o indiano tem.

Nos templos.

Nos templos.

Nos camelôs de muitos países que visitamos, sempre encontramos alguma camiseta que representa algo típico da cultura local, ou uma característica marcante do povo. Passando por uma loja, um vendedor oferecia em alto e bom tom mais uma dessas camisetas, agora com o seguinte escrito sobre os indianos: Full power, 24 hours and No shower!!!

Sem dúvida é um povo incansável e extremamente forte!

Um olhar hindu sobre os ocidentais.

Em Amristar, na volta do show das fronteiras Índia e Paquistão, eu e Jami pegamos um táxi comunitário com alguns locais. Na minha frente sentava um casal jovem de indianos, pais de duas meninas, ao meu lado direito um senhor indiano de uns 60 anos de idade, e esquerdo, um jornalista russo de uns 40 anos. Todos nós começamos a conversar e a pergunta tradicional dos hindus logo foi feita “porque vocês vêm para Índia?”.

Show das fronteiras.

Show das fronteiras.

O casal!

O casal!

Começamos com aquela resposta previsível e impessoal de “para conhecer uma cultura diferente e aprender novos conhecimentos”. Mas aqueles indianos eram indianos clássicos – diretos, especulativos e sinceros. O senhor emendou: “Conhecer o quê? Falta alguma coisa no país de vocês que gostariam de encontrar aqui?”. E ali uma conversa valiosíssima começou… Essa conversa falou da crise de valores no Ocidente atual, porque naquela altura, eu branca e com traços europeus, não importava se eu fosse do Brasil ou o russo da Rússia, nós éramos Ocidentais.

O indiano nos contou a seguinte história. – “Uma vez conheci um turista americano na rua e começamos a conversar. Como ele estava na minha terra, e para nós hospedes são enviados de Deus, procuramos sempre receber muito bem. Depois de um tempo de conversa, convidei-o para ficar na minha casa, e tratei-o como um filho: não medi nada, nem custos, nem vantagens, nem desvantagens. Minha vida pessoal ficou em segundo plano naquele período, pois meu foco era sua presença e tornar seu tempo conosco o mais acolhedor e confortável possível. Ao final de pouco mais de um mês ele foi embora, e tinha certeza de ter feito um grande amigo. Muito fechado no início, mas aos poucos foi me deixando conhecer seu coração. Mantivemos contato e uns meses depois vi na internet uma máquina fotográfica, e escrevi um e-mail pedindo se ele poderia comprar a máquina para mim e me enviar. Logo em seguida recebo a resposta:  – “claro, segue abaixo minha conta e o valor da máquina para você depositar para que eu possa comprar.” –  “Fiquei estarrecido.”

Ele perguntou então a nós: – Porque vocês Ocidentais são assim? Eu e o Russo respondemos: -” assim como?”  Ele disse: – “frios, materialistas?” Não importa o valor da máquina fotográfica, eu não calculei quanto gastei para alimentá-lo e entretê-lo, sei que não deixei ele mexer no bolso enquanto esteve aqui, porque para mim é assim que se trata um hóspede. O valor está na relação, não no custo que ela vai me dar. Sei que uma máquina custa caro, mas a que escolhi era simplória.  Sei que foi um caso isolado, mas sempre que converso com ‘vocês’ tenho a impressão de que o coração de vocês está distante. Vocês prezam em vir ao nosso país para tirar fotos de nossos templos, não para rezar, convivem com a gente para tirar foto da cultura “exótica” e compartilhar em redes sociais, seguem um roteiro inflexível de coisas para fazer e ver, e reservam pouco tempo para pensar e conviver com a gente. Alguns também vêm aqui buscando vida espiritual, mas compreendem muito pouco da nossa religião, ou o que acontece em muitos casos, escolhem o que lhes interessa e dizem que são espiritualizados. Como assim?  Não são hindus, nem espiritualizados. São eles mesmos. Seguem os seus egos e chamam isso de seguir a Deus”.

Logo o casal hindu se intrometeu e a esposa disse: – ” Ele tem razão. E vocês sempre criticam o nosso sistema de castas sem compreendê-lo, só enxergam o aspecto social e discriminatório, mas não compreendem o aspecto espiritual. Nós só podemos casar com alguém que nosso pai escolheu, é verdade, mas confiamos em nossos pais. Porque eles escolheriam uma pessoa ruim para os seus próprios filhos? Depois vamos ao Guru, que faz nosso mapa astral, e cruza nossas características de personalidade e verifica se nossa união nos tornará pessoas melhores, ou se o jeito de ser de um é compatível com o do outro. Quando o Guru e meus pais encontram uma pessoa, casamos. Às vezes demoramos meses para achar uma pessoa boa. Muitas vezes não amamos inicialmente nosso marido. Quando conheci meu marido, por exemplo, não o amava. Mas com o tempo, passei a amá-lo. Para nós é ainda mais difícil entender vocês, pois vocês vêm dos países liberais, mas se separam o tempo todo! Vocês têm liberdade sexual, podem namorar e só depois casar, ou morar juntos ainda, uns escolhem nem ter filhos para ter mais liberdade, e mesmo assim vocês se separam. Por quê? A meu ver, porque vocês estão (não sei por que razão) incapazes de compreender o amor, vocês só querem a parte interessante da história, de todas as histórias, e por isso o coração de vocês está assim.

* Essa conversa terminou em muitas confissoes de todos os lados e abraços, risos. O russo também abriu seu coração, e discutimos muito nossas vidas privadas, assim como a crise de valores e de sentido no Ocidente, que o russo também sente em sua terra.

Todos!!!

Todos!!!

Leh – o Tibet da India!

Negociamos no centro um taxi comunitário que sairia bem cedinho no dia seguinte para Leh, nosso próximo destino. A Jami estranhou muito nossa negociação. Fomos ao centro, encontramos um grupo de taxistas que faziam esse trajeto, perguntamos o valor, negociamos e combinamos o horário dele passar nos buscar dali dois dias. A Jami perguntava: ” mas vocês confiam que ele irá nos buscar?” e a gente dava rizada, porque o fio no bigode aqui funciona muito bem. Viajamos o mundo assim.

Dois dias depois acordamos cedo e deixamos o nosso barco-casa e voltamos a terra firme esperar nosso táxi. Ali aguardando, os tres estavam tristes olhando para o gloriosíssimo Lago Dhaal sabendo que era hora da despedida. Uns 30 minutos depois, chegou nosso táxi com cinco passageiros.

O lago Dhal coberto...

O lago Dhal coberto…

No caminho fui percebendo que o motorista era muito barbeiro, e a estrada muito ruim, sem acostamento e com uns penhascos absurdos, que se despencássemos de lá, nao haveria chance nenhuma de sobrevivencia. Começei a ficar nervosa e pedi para ele prestar mais atenção. O Gui ficou um pouco com vergonha de mim. Mas eu fico muito indignada quando vejo descuido com a vida.

Aos poucos a estrada foi melhorando e não havia mais penhascos. Caso capotássemos tínhamos grandes chances de sair com vida, isso foi me tranquilizando… No caminho fomos passando por cidadezinhas nas montanhas absolutamente paradisíacas, inesplicavelmente lindas, que moraria em cada uma delas agora. A região é simplesmente espetacular e ainda não havíamos chegado em Leh.

Cidadezinhas no caminho.

Cidadezinhas no caminho.

Só chegamos a noite, saímos 06h00 de Srinagar e colocamos o pé em nossa pousada as 23h30, estavamos mortos e mau humorados. Já não conversávamos, latíamos.

No outro dia quando acordamos fiquei apaixonada polo lugar, muito mais parecido com o Tibet do que com a India, parece que voce está em solo budista. E de certo modo está, se não fosse os chatos dos kashimires tentando vender alguma coisa, enquanto os indianos tibetanos, nem te atendiam quando voce entrava nas lojas, precisando insistir para comprar…

Leh é incrível, por tudo. Pela cidadezinha, pelas montanhas, pelo clima, pelo astral do lugar.Já está um pouco turistico demais, mas não perde o charme do lugar.

Nas ruas.

Nas ruas.

Vendedora de tomates.

Vendedora de tomates.

Nas ruas.

Nas ruas.

Fizemos um trekking um dia pelas montanhas rochosas aos arredores de Leh, e eu passei um pouco mal pela altura. Dormimos na casa de uma família no meio do nada, em uma vila paradisíaca, inesquecível.

Foi muito bom conhecer e conviver com a família que nos hospedou, seus costumes, sua alimentação, suas rezas, sua vida. A Jami ficou maravilhada. Eu também. Me emocionei várias vezes.

A caminho!

A caminho!

Na vila.

Na vila.

A casa onde nos hospedamos.

A casa onde nos hospedamos.

No topo da vila.

No topo da vila.

Foi maravilhoso voltar pelas montanhas, se não fosse minha dor por mais uma daquelas infecções alimentares que de vez em quando acabo pegando na viagem. Mas que valem cada buscopan pela aprendizagem.

Depois de alguns dias na região, voltamos de avião para Delhi, pois a estrada que ia até Manali já estava se fechando, e não conseguiríamos chegar em Delhi por terra.

De Leh para Delhi foi como chegar do silencio para o barulho, mas como tínhamos escolhido um hotel longe do centro, em um bairro de refugiados tibetanos, nos sentimos em casa. E a Jami continuava emocionada. Agora com Delhi!

Kashimira!

Os dias seguintes sobre o lago Dhal foram especiais e cheios de surpresas. O filho do Sr. Gulmon, que surgiu em nossa frente quando descemos de nosso táxi comunitário após 16 horas de viagem, e que com muita insistencia nos convenceu a ficar no barco de seu pai, com o passar dos dias se tornou um amigo…

Em nosso barco-casa.

Em nosso barco-casa.

Sr. Gulmon, dono do barco.

Sr. Gulmon, dono do barco.

Dentro do barco.

Dentro do barco.

Passeamos com ele por muitos lugares, almoçamos em restaurantes típicos, fomos ao centro, as mesquitas, aos templos, e nos perdemos olhando para a beleza de Srinagar, e principalmete, para as pessoas que surgiam para conversar.

Jami, nosso amigo e Gui

Jami, nosso amigo e Gui

Arquitetura típica.

Arquitetura típica.

Nas ruas.

Nas ruas.

Comidas de rua.

Comidas de rua.

Mesquita.

Mesquita.

Caminhar pelo centro de Srinagar e arredores tem uma atmosfera especial. É diferente de toda a India. Além de ser mais limpa e fresca (por ser região montanhosa), a cidade é muito bela. Há um toque muito mais muçulmano que hindu, já que estes são a maioria por ali.

Lago Dhal, não é incrível?

Lago Dhal, não é incrível?

Os passeios sobre o lago eram os melhores, e sempre tinha algo surpreendente para conhecer e ver na comunidade sobre palafitas que ali vive. O mais especial foi um dia que fomos convidados para um casamento muçulmano que ocorria ao lado de nosso barco. Foram dois dias de preparação e tres de festas. Mulheres para um lado, cantando e arrumando a noiva, homens para o outro matando carneiros e preparando a comida.

Uma tenda foi montada para receber todos os convidados. Do outro lado do lago estava a festa da família e amigos do noivo, já que primeiro eles festejavam lá, para depois os noivos se encontrarem do lado de cá, no ultimo dia, na tenda da esposa, deixando todo um gostinho de suspense. Acabamos sendo tiradas para dançar, e foi divertido, eu a Jami no meio da tenda. O dançarino era um homem que dançava meio sexy e de forma engraçada, e os convidados riam muito.

Preparativos.

Preparativos.

Mulheres cantando com a noiva durante os preparativos.

Mulheres cantando com a noiva durante os preparativos.

Mais preparativos.

Mais preparativos.

Nos esbaldamos com as opções de kashimiras no centro, e achamos um lugar barato para comprar uns chales direto da fabrica, o que trouxe alegria para nossa alma feminina. Graças ao nosso amigo.

Depois de alguns dias em Srinagar, com o coração apertado fomos embora. Nosso próximo destino era Leh. Sem dúvida a Kashimira foi um dos lugares mais incríveis que conheci na India.

Chegada da Jami!

Mal o João e o Marco saíram e recebemos nossa segunda ilustre visita – minha querida amiga Jami. Conheci a Jami em 2006 numa pós-graduação e desde lá nos tornamos grandes amigas. A Jami é uma daquelas amigas meio superdotadas que tenho, ao lado da Malu, talentosíssima, 10 em tudo e que tem um caráter de tirar o chapéu.

Quando voltamos da nossa primeira viagem a Jami nos recebeu em sua casa com uma comida mexicana deliciosa, e nos acolheu muito bem, quando eu e o Gui nos sentíamos “um pouco” (imagina!) perdidos. Nesse dia, conversamos muito sobre a viagem e as aprendizagens. A Jami foi uma das poucas pessoas que conversamos mais profundamente sobre a viagem, e ali, maravilhada com o nosso jeito pós-viagem, ela disse que se encontraria com a gente, e como vocês já podem supor, se a Jami diz, está dito. Combinamos que na nossa próxima viagem ela nos encontraria em alguma parte, e decidimos juntos que seria a Índia. Ela delirou!

Quando a Jami chegou, pouco mais de 24 horas depois que o Jony e o Marco foram embora, nós estávamos exaustos, pois o Paquistão foi uma viagem difícil em termos de transporte (claro não para o Gui, mas para mim). Muitas curvas, estradas esburacadas e como tínhamos o visto somente de 30 dias e tínhamos que chegar a Délhi a tempo dos meus irmãos pegarem o voo para o Brasil, tivemos que apressar o passo ao longo do Paquistão.

Como a Jami estava com um fuso forte na cabeça, já que o voo dela atrasou e ela encontrava-se há 36 horas na função para chegar até a Índia, aproveitamos todos para descansar. Logo que a buscamos no aeroporto de autoricksha (é claro!), ela olhava para fora e dizia: “caramba, isso parece um filme, estou encantada, obrigada por me receberem com vocês”. E seus olhos brilhavam vendo a Índia, emocionada. Ali percebemos que a Jami tinha alma de viajante, porque ao invés de ficar olhando para as sujeiras das ruas, e fazendo comentário de como eles vivem assim e blábláblá, ela ia logo se maravilhando com a experiência única que alguém pode sentir, quando pela primeira vez, experimenta estar “num outro mundo”. E para quem tem mais sensibilidade, isso se torna tão maior que a sujeira, que não dá para ficar se limitando em olhar para o chão.

Conversamos bastante e a Jami apagou no quarto do hotel. Batemos na sua porta para acordá-la mais perto do final da tarde e, fomos ao Golden Temple, que é claro, arrebentou!! A Jami estava perplexa com a beleza dos Sikis (devotos da “religião” sikki), que coitados, direto são confundidos com muçulmanos por causa do turbante no Ocidente, e muitas vezes matam os inofensivos Sikis achando que são terroristas. Quanta ignorância!

A beleza do templo a noite.

A beleza do templo a noite.

A vida dentro do templo.

A vida dentro do templo.

De Amristar pegamos um trem para Jamu, e ficamos apenas um dia nesta cidade feia e caótica, cheia de templos hindus, mas não valia muito a pena. Dormimos num hotel estranho, e a noite houve muitos trovoes, e eu senti bastante medo, aquela cidade estava bem esquisita. Os templos da cidade estavam sendo meio alvo de uns muçulmanos extremistas, e estávamos um pouco apreensivos de estar ali. A Jami disse que se assustou também com a cidade e dormiu mal.

Pegando o trem!

Pegando o trem!

No trem.

No trem.

Nossas samusas no trem.

No dia seguinte, logo cedo, pegamos um share-taxi e seguimos para Kashimira. Nossos companheiros de carro eram interessantíssimos (um sikki, um muçulmano e dois quatro hindus), e dividimos com eles todas as nossas comidas. Por sinal, no Oriente não tem essa do MEU pacote de bolacha, todo mundo oferece tudo ao vizinho e, se você oferecer, também ninguém fará cerimonia (como muitas vezes fazemos com desconhecidos), eles aceitarão na hora e comerão algumas bolachas…

Nesse dia, esperando no táxi, enquanto tomávamos um chay numa rua decadente, surgiu uma vaca com a mandíbula quebrada, a mandíbula dela estava solta, a vaca era deficiente. Ela caminhava arrastando aquela mandíbula presa a um feixe de pele. Eu e a Jami ficamos chocadas olhando para a vaca. Na Índia já vimos muitas coisas, mas vaca com a mandíbula pendurada era realmente uma novidade. Esse costume de sacrificar o animal que nós temos, não precisa nem dizer que não acontece em terra hindu.

A cidade.

A cidade.

Nossos companheiros do taxi comunitario.

No caminho.

No caminho.

Quando chegamos a Kashimira depois de 16 horas de viagem, ficamos chocados com a beleza do lado Dhal e seus barcos-casas. Fomos logo pegando um barco-casa de um cara muito insistente, porque estava num preço muito bom, e apesar do nosso barco ser num lugar lindo, e ser muito aconchegante e com cara de casa de vó, era um dos mais pobrinhos do Lago.

Nosso barco-casa!

Nosso barco-casa!

Largamos as malas e vimos o sol se pôr ao som das inúmeras mesquitas e de todo comércio que acontece sob o lago. Tem farmácia, mercado, transportes, vendedores… tudo sob palafitas. Ficamos maravilhados com aquela experiência mágica de estar no lago ao som estridente de todas as mesquitas, vendo todos aqueles vendedores ambulantes passando com suas canoas, e os locais remando até em casa. Acho que foi um dos lugares mais incríveis de toda a viagem.

Lago Dhal.

Lago Dhal.

A Jami estava emocionada e nós também! Ninguém mais queria sair mais daquela “sacada” do barco… Ao fim do som das mesquitas e do silencio da oração em comunidade, o Sr. Gulmon serviu nossa comida bem caseira e fresca preparada por ele. Conversamos bastante sobre a vida, a viagem… e fomos dormir. Antes de dormir, tomamos um banho, tinha até banheira no quarto, mas a água era meio verde e fedida, mas nada que não pudesse fazer nos sentirmos limpinhas depois, e dormir maravilhadas com a experiência de estar sob o gloriosíssimo Lago Dhal.

A vida no lago que contemplávamos da sacada do nosso barco-casa.

A vida no lago que contemplávamos da sacada do nosso barco-casa.

Marco e Jony!

Quando eu tinha 12 anos, um dia antes de começar as aulas, meu irmão mais velho que tinha ido viajar, não voltou para casa naquele domingo. Ele tinha 13 anos. O Marco 8 e o Joao 7. Um abismo se abriu na minha frente e a nossa casa virou um vale de lagrimas. Cada um sofreu da sua maneira. O Silvinho estudava na mesma escola que eu, o Marco e o Jony, ainda estavam na nossa ex-escola, que ia até o fim do primário. Eu e o Silvinho fazíamos tudo juntos, tínhamos os mesmos amigos, a mesma turma de inglês, os mesmos programas e praticávamos o mesmo esporte – o tênis. Ele por paixão, eu, pela turma. Quando o Silvinho se foi, eu fiquei muito sozinha. Como o Marco e o João eram crianças, não me passava pela cabeça contar com eles. A diferença de idade nessa época criava uma distancia natural entre nós. Eu não brincava mais, eles ainda viam desenhos. Quando eu saí de casa aos 17 anos para me preparar para o vestibular, o Marco tinha 14 e o Joao 12. Nessa época, quando a barreira da idade ia começar a se dissolver, eu estava saindo e sabia que não voltaria mais. Não combinava voltar para casa depois,  sabia que uma vez dado um passo em uma nova direção, o estado anterior se tornaria impossível para mim. As coisas sempre foram assim comigo… Os feriados começaram a chegar, e cada vez que eu visitava a família, o Jony e o Marco estavam maiores. Parecia mágica, eles cresciam centímetros de um feriado para o outro. Num desses feriados, fui com uma amiga na “boate”, como chamávamos a night do Clube Recreativo Chapecoense, e eu bebi um pouco além da conta para quem voltaria dirigindo, e pedi ao Marco para voltar pilotando. Ele ainda era de menor. Lembro que naquele dia pensei “nossa já estou encontrando meu irmão na boate, que legaaaal!!!” Por fim, o Marco acabou quase atropelando um ciclista, e derrubando um muro de uma casa uns 100 metros depois. Quando tentamos sair do lugar, não haviam mais pneus para isso, e em poucos minutos estávamos cercados pela população local enraivecida, o ciclista sobrevivente e a polícia. Eu havia esquecido de perguntar se o Marco estava em condições de dirigir rssrs… Enfim, pelas diferenças de idade e minha saída relativamente cedo de casa, não foi possível conviver muito com eles, pelo menos o quanto eu gostaria, mesmo que há alguns anos já conseguíamos conversar como adultos sem eles ficarem me chamando de “Bianca Potranca” só porque rima. Sempre fiquei com a sensação de “eu não pude acompanhar de perto a vida deles como gostaria!!!” Graças a insistência de minha mãe e a vontade deles de viajar, eles se organizaram e vieram nos encontrar. Minha mãe falava que seria uma grande oportunidade de convivência mais intensa entre nós e que eu deveria aproveitar para “conhecê-los” muito mais. E eu não tinha noção do quanto aquelas palavras eram verdadeiras. Tinha certo receio, porque eles fariam com a gente a Karakoran, que é uma estrada que corta todo o norte do Paquistão, atravessando os Himalaias. Então, eu sabia que a viagem seria infinitamente roots, as estradas ruins e cheias de curvas. Para quem viajaria por terra o tempo todo, isso seria um desafio! A única ideia que eu fazia deles quanto a companheiros de viagem era que para o Marco seria muito difícil, pois lembrava que ele não gostava do vinagre do pai (um vinagre que ele fazia na pipa, espetacular!), o que criava certa distância entre ele e os demais membros da família, e adorava couve-flor cozida, então automaticamente pensava que ele não aguentaria a comida. O Joao sempre foi um apaixonado pelo vinagre do Pai, e comia de tuuudo, assim como eu, então tinha certeza que com o João não teríamos problemas. Bem que uma amiga minha tinha falado “a gente nunca atualiza a imagem que temos da família…” Até na Bíblia Jesus diz que o profeta nunca é reconhecido na sua própria terra. E é verdade, você pode se tornar o sucesso que for, que a tua família continuará se lembrando daquela tua característica infame de quando você tinha não sei quantos anos. Então eu falava para o Marco muito surpresa: “ você vai experimentar leite de égua (bebida típica do Quirguistão)? Comoooo? Você só comia couve-flor…?” Ele me dizia: “ Bianca, isso já faz tanto tempo…” “Mas Marco é leite de ÉGUA!!” “Sim, Bianca mas deixa eu experimentar, tem que interagir com a cultura local!” “ O quê (eu dizia)?” “ Bianca eu como de tudo!” “Até molho de tomate Marco?” “ Óbvio, da onde tu tirou que eu não como molho de tomate?” “ Do fato de você amar couve-flor só com água e sal…” “ Mas eu não amo couve-flor…” “Não, como assim? Não era tua comida favorita?” “ O quê? Da onde tu tirou isso?” Enquanto o João acabava de deixar o prato de “ravióli de carneiro” porque não gostou do gosto do carneiro… Eu não entendia mais nada! O João comia até pedra! Como assiiiim? Não posso contar às surpresas que tive com o João, porque ele nunca gostou que falassem da vida dele, para quem entende um pouco de astrologia ele é escorpião, signo que normalmente odeia que invadam sua privacidade. Enfim, ia percebendo que eu não havia atualizado os meus irmãos e nem os conhecia tanto assim como supunha. E eles dia a dia, iam me surpreendendo! Nosso primeiro passeio a cavalo no Quirguistão. Até hoje todo mundo que veio nos visitar – minhas mãe, os pais do Gui, irmãs, marido e filhos, por uma questão de idade e de crianças –, nunca pensamos em fazer a “nossa” viagem com eles, sempre colocávamos a nossa em stand-by até por uma questão de bom senso (com exceção do Quirguistão, que tirando os transportes, os pais do Gui dormiram em lugares roots pra caramba e nem reclamaram). Mas com os manos foi bem diferente, eles não tinham nenhuma barreira, nem de idade, nem de filhos, então falávamos para eles “se preparem”. Tinha muita dúvida se eles iriam gostar, pois no Paquistão os perrengues prometiam ser diários. E eles se mostraram excelentes companheiros de viagem, topavam absolutamente tuuuudo, algumas vezes reclamando, com cara de “mas eles só podem estar de sacanagem com a gente”, mas seguiam em frente e no final, já nem se irritavam com os barulhos das buzinas e sujeiras nas ruas, e entendiam porquê tínhamos levado eles ali. Fizeram muito sucesso com os locais. Normalmente esses lugares são pouco visitados, então vem pouco turista e todo mundo quer te conhecer. E como os turistas europeus são a maioria esmagadora que vem para cá, não tem como comparar com um brasileiro quando resolve ser bem simpático, então eles só faltavam dar autógrafos.

Os Manos com o Gui e escolta no Vale Kalash no Paquistao!!!

O Marco era o alvo, ele era o mais branco de nós três, com os cabelos claros e barba ruiva, parecia o mais internacional. Um dia conhecemos um casal de franceses mega ignorantes, que ficavam brincando que nós no Brasil deveríamos comer insetos de tão precário que eles imaginavam ser a situação do Brasil, e o Marco largou aquela célebre “e vocês que não tomam banho? Uma vez fui numa boate em Paris, estava eu e um amigo empolgados falando com duas francesinhas, quando elas levantaram o braço, veio aquele cheirão, e nos saímos correndo…” Os franceses murcharam e a gente dava rizada.  Depois, não largavam mais os dois, era “Marco Jony” para cá e pra lá. Depois de 50 dias juntos, os Manos foram. Se despediram de nós no hotel e foram sozinhos para a estação de trem em direção a Agra, para ver o Taj Mahal e seguir para o Brasil. Quando vi os dois de costas, com suas respectivas mochilas, saindo naquela rua escura e suja, eu comecei a chorar. Parecia que eram os meus filhos partindo. Como eles cresceram e ficaram altos! Os 50 dias tinham passado e lá estávamos, eu e Gui, sozinhos novamente! Essas idas e vindas, chegadas e despedidas da vida sempre me chamaram muito atenção desde pequena. Como a vida é essa sucessão de acontecimentos, épocas, períodos, momentos, sempre com fim… Jony e Marco, muito obrigada pela companhia, pelos momentos inesquecíveis, conversas, apoio moral, risadas, e principalmente parceria!!! Hoje conheço muito mais vocês rsrs!  Vocês são demais!! Amo vocês pra caramba! Obrigada mãe!

Chegada na Índia

De manhã cedo fizemos as malas e pegamos um táxi até a fronteira Paquistão – Índia. Deixei Lahore com o coração na mão, pois desde o Iran não gostava tanto de um país como gostei do Paquistão. Talvez por tudo o que esperava do Paquistão, tudo o que já tinha escutado, e a realidade que encontrei. Foi uma grande surpresa!

O Paquistão mexeu comigo, por seu povo, sua cultura, suas vilas intocadas, e por todo o medo que eu tinha de visita-lo. Chegar a Índia naquelas alturas, sabendo que estaríamos agora entrando em nosso último país da viagem, os Manos indo embora dali poucos dias, a Jami (amiga minha) chegando, me dava conta como a segunda viagem estava chegando ao fim, e que de agora em diante, não teria terceira tão cedo. Isso me deixou reflexiva!

Logo que começamos a procurar hotel em Amristar, comecei a me perguntar porque mesmo gostava da Índia, porque insistia em dizer que era um dos meus países preferidos, se o barulho ensurdecedor dos auto-rikshas eram insuportáveis, o transito era um caos, e tudo não tinha ordem e nem limpeza. O Gui também ficou com a mesma sensação e o João e o Marco me olhavam com uma cara de porque eles falam tão bem da Índia?

Logo achamos um hotel melhorzinho, que não passou pela minha cabeça que ficava bem no meio do caos, perto do Golden Temple, e de noite queria me arrancar os cabelos, não consegui dormir nada em função do barulho. E dormir mal é de matar! No dia seguinte nos mudamos para um “hotel paraíso” bem longe do centro e mais caro, claro.

Esperamos o entardecer para irmos todos juntos ao Golden Temple, o vaticano dos Sikis, uma religião relativamente nova da Índia, quando comparada ao Hinduísmo. Tem por volta de quase 600 anos e se diz mais como uma orientação para viver uma vida melhor, mais digna e generosa, do que propriamente uma religião que tem como objetivo a salvação da alma. O Sikismo já não é assim, fala mais de um modo de vida, do que alguma garantia pós-vida. Imagino que nos textos mais sagrados isso deva aparecer, mas para os fiéis leigos é isso que é conhecido.

No final do dia quando chegamos no glorioso Golden Temple, o João e o Marco não falavam, estavam estarrecidos diante da beleza do lugar, e mística da Índia. Os sáris coloridos, os turbantes coloridos na cabeça dos homens, a devoção das pessoas ao chegar, os mantras de fundo tocando ininterruptamente, as pessoas se purificando na “grande piscina” que tem na frente do templo, é uma visão incrível.

Entardecer!

Nós nem falávamos, ficamos todos em silencio experimentando a delicia que é ficar no templo. Todo barulho das buzinas e caos ficam lá fora, não se escuta nada, o chão é impecavelmente limpo, e as pessoas sentam ao redor da “piscina” e ali ficam por horas observando e simplesmente estando ali. Em algumas horas começam as rezas nos microfones e os devotos circulam ao redor da piscina rezando. Ficamos horas largados até quando bateu a fome e fomos jantar. O jantar é gratuito no templo, com direito a chay, e uma comida deliciosa. Se você quiser dar alguma doação, tem alguns lugares disponíveis para deixar dinheiro. Mas ninguém vai lhe pedir.

Os peregrinos!

A noite!

De lá seguimos para o hotel e nos despedimos do Marco e do Jony, que estavam seguindo para Agra para ver o Taj Mahal, de lá eles dormiriam em Delhi e seguiriam para o Brasil. Só com aquele período no templo, eles já ficaram maravilhados com a Índia, tristes que tinham que voltar. E já começaram a entender porque muitos quando vão à Índia descrevem sentimentos intensos de amor e ódio, e mesmo os que sentem isso sempre retornam, como nós. Os que sentem só ódio, saem assustados do país, e não querem nunca mais voltar. Vale a pena o esforço de passar da fase do susto, a beleza da Índia se abrirá para você!

Dois mundos!

Na volta do show das Fronteiras Paquistão X Índia, demos carona a um casal de franceses que conhemos em Karimabad, ainda no começo da nossa jornada pelo país. Ao longo do trajeto, fomos encontrando os dois diversas vezes, em lugares diferentes, até reencontrá-los na nossa última noite no Paquistao.

Era um casal novo, de vinte e poucos anos, que guardaram dinheiro por uma longa data, ate realizar a sua primeira viagem longa. Eles nunca tinham saído da França antes. Ele era marcineiro e, ela psicóloga. Estava vindo desda Marcelia,  cidade onde moram, ate o Paquistao praticamente só de carona.

Num primeiro momento, achamos eles legais, até pelo jeito que estavam viajando, mas aos poucos fomos percebendo que eles só tinham saído de corpo para viajar, nao de alma, e a viagem ja estava completando quase 6 meses. Tudo na França era melhor, todas os lugares que eles visitaram eram em geral ruins, com excessao de alguns países na Europa que cruzaram ao longo do caminho, as pessoas entao da Asia Central de uma ignorancia sem tamanho. Pegavam muito no pé dos muculmanos, fruto da crença do povo em Deus que se desdobrava em atos sem sentido para eles. As roupas da muçulmanas, o Ramadan, a chamada das mesquitas, os terroristas, tudo tudo no mesmo pacote.

Como eles cruzaram de carona desde a França até os países da Asia Central para chegar no Paquistão, os países que tinham um povo acostumado a dar caronas eram legais, os que nao eram, nao eram legais! Lugares como Turkomenistao, Uzbequistao, e Kazaquistao, onde ha um cultura fortíssima de táxi pago, nao eram legais. So porque nao existe apenas o taxista credenciado como o nosso, mas qualquer pessoa comum que esteja passando de carro pode ser o seu táxi ( seja dentro das cidades ou na estrada, voce faz um sinal para parar, e se parar é porque podem lhe dar carona, desde que seja para o mesmo sentido que a pessoa esteja indo, e ela te cobrará por isso). É uma forma, nesses países tao pobres e reprimidos pela ditadura, do cidadao comum tirar um troco a mais.

Eles achavam isso um absurdo, sem entender que naqueles lugares carona e taxi eram sinonimos. Como aqueles dinheiristas podiam cobrar, pensavam eles? Assim eles foram passando por diversos países,  levando a referencia da França e das suas necessidades individuais como forma de medir as pessoas e os lugares…

Nesse dia, lá na torcida, encontramos os dois com um paquistanes, ele sentado num bom lugar na arquibancada, tomando uma coca-cola gelada, e a sua namorada, na arquibancada das mulheres (pois as arquibancadas eram separadas em homens, mulheres, famílias e turistas). Estranhamos o lugar e a coca-cola gelada. Depois, vimos eles dispensando o tal senhor assim que nos encontraram, dizendo que iriam com a gente, sem praticamente se despedir.

Perguntei quem era aquele senhor, e eles me contaram rindo que era um homem religioso que conheceram num restaurante quando estavam almoçando, que veio puxar assunto pedindo se estavam gostando do Paquistao, se nao queriam ir para casa dele, pois os estrangeiros sao enviados de Deus, e ele tinha o dever de recebe-los bem. Os dois agradeceram dizendo que ja estavam hospedados num hotel.  O senhor entao, muito simpatico, pediu para eles outros pratos de comida, ja que como bons mochileiros tinham obviamente pedido os pratos mais baratos, e pagou tudo. Após o tal senhor concluir que eles estavam num hotel muito simples (óbvio, os locais nunca entendem porque escolhemos estes hoteis), insistiu para que eles mudassem de hotel, pois tinham outros melhores, e que ele pagaria a diária, pois precisavam estar confortáveis no país dele. Eles agradeceram tambem e, o senhor pediu entao onde eles estavam indo, e contaram que para o show das fronteiras. Na mesma hora o tal senhor pediu um taxi (evitando que eles fossem de onibus, pois era na saída da cidade) e os acompanhou ate o show, pagando a coca-cola gelada e escolhendo um lugar privilegiado para que eles assistissem. No retorno, levaria eles ate o hotel. Mas o senhor foi dispensado assim que eles nos viram!!

Fim da historia. Eles estavam rindo do homem, por ter sido “burro” de pagar tudo a eles, em nome de Alah, e que eles se deram muito bem, economizaram um monte, e comeram como reis. Aí começaram a caçoar da religiao, do islamismo, e falar de como essas pessoas podiam ser tao estupidas em acreditar em mitos e bobagens criadas como Deus, só para controlar o povo, e teceu toda aquela cartilha de sempre de argumentos que os ateus mais jovens usam.  É tudo jogo de poder, invenção, e as traduçoes, etc. Que lá na França, onde o povo é mais escolarizado e educado, isso ja nao existe mais. Nem passou pela cabeça daquelas topeiras perguntar a nós qual era a nossa crença antes de sair desconsiderando o tal homem para gente.

Enfim, era difícil que aqueles dois mundos tao distantes compreendessem o que estava acontecendo ali. O senhor até agora deve estar se perguntando o que ele fez de errado, para ter sido dispensado daquela forma. De um lado um homem que fazia aquil0 por Deus num ato de dever, como ele mesmo disse, do outro o casal que olhava aquilo como uma vantagem economica em nome de algo sem sentido, pois o objetivo do ato do homem que era agradar a Deus nao havia neles, e muito menos o senso de dever, ja que eles vinham dos países da Liberdade de Escolha – do quero ou nao quero, nao do devo ou nao devo.

Enfim, nós nos revoltamos!! Todos nós da mesa queríamos matá-los por falar daquele jeito do pobre senhor, e por todas os absurdos que tinhamos ouvido ao longo dos encontros que tivemos com eles. Eles perceberam a nossa cara de indignação, e perguntaram ao Gui, ” voce nao concorda?” Porque eles falavam usando uma linguagem corporal tentando persuadir que concordassemos com aquilo, e nós fazíamos uma cara de indignados, que eles nao entendiam o porquê. Será que a gente tambem era burro e achava aquilo correto? Será que no Brasil o povo é tao ignorante assim?

O Gui então sabiamente disse: “quando a gente voltou da nossa primeira viagem, nos fizemos um vídeo para dividir com as pessoas o que tinhamos visto e vivido, e começamos o vídeo assim: Deixe seu emprego, abandone seus pertences, se dispeça dos seus familiares e amigos, Esqueca Tudo o que voce aprendeu e o mundo será seu.”

E seguiu: “Pelo jeito voces deixaram o emprego…, seguiram toda a cartilha do mochileiro (guardar dinheiro, sair do emprego, etc.), mas esqueceram do mais importante. Voces nunca compreenderão nada, se voces nao colocarem a França um pouco suspensa para olharem o mundo…”

O casal se calou, assim como nós todos, rendendo um momento emocionante de reflexao para todos que estavam ali naquela mesa, naquela noite quente do dia 02 de setembro de 2011, a ultima do Paquistao… Uma bela despedida!

Paquistao, Paquistao, Paquistao!

Depois do intenso dia de viagem anterior, tentamos nos recuperar num hotel em Rawalpindi, cidade a 25km da capital Islamabad. Os meninos ainda conseguiram sair para tentar ver como eram pintados os típicos caminhões do Paquistão, mas o lugar estava fechado, pois era final de Ramadan e, com isto vinha um dos principais feriados do Islamismo. As ruas e comércios estavam vazias. Imaginem para os verdadeiros devotos de Alah, como final de Ramadan ‘e uma coisa Sagrada interiormente, ja que estes sabem  de fato o que significa aqueles 30 dias de jejum no islã, e o quanto merece ser comemorado com a família.

O Ramadan é um período de purificação do mundo e de si mesmo. Uma tentativa de pelo menos ao longo daqueles 30 dias, obter algum domínio sobre si mesmo através do domínio do sentidos. Uma aprendizagem, que pode levar ao muçulmano, compreender o sentido de liberdade, fugindo da escravidão das reaçoes ao mundo e aos sentidos. Um momento para abdicar do pecado, pelo menos naqueles 30 dias. Além de um  ato de sacrifício para o perdão dos pecados cometidos.

Lembro que os xiitas ismailis não faziam Ramadan, por pensar que o Ramadan deve ser feito o ano inteiro, nao somente 30 dias. Deve ser uma atitude interior que acompanha sempre o muçulmano. Eu achei bonita a idéia, mas na prática não sei se funciona tanto, porque quando isso fica encargo apenas do indivíduo, serão poucos que de fato procurão cumprir. Nesse sentido,  acho interessante o Ramadan, pois toca na comunidade muçulmana toda. Lembro que o Baba Mondi, da ordem dos Bektashi, dizia que para os principiantes a lei, e  para os devotos o Espírito.

Caminhoes!

Olha o trabalho!

Nas ruas!

A noite aproveitamos para conhecer o bairro descolado de Islamabad (capital construída, tipo a nossa Brasilia), e nos impressionamos com as lojas e shoppings naquela pequena regiao. Tirado algumas roupas típicas das mulheres, podia tranquilamente ser qualquer lugar do mundo, como todo lugar bem moderno que é o mesmo por onde quer que voce vá. De qualquer forma, dar um break na viagem e desfrutar de um bom restaurante ocidental, com ruas limpas e shoppings, é um conforto para quem viaja com uma mochila nas costas. Escolhemos uma casa de carnes deliciosas com molho barbecue.

No dia seguinte pegamos um ônibus ate Lahore, antiga capital antes de Islamambad. Lahore era muito parecido com o cenario das cidades grandes da India, entao nos sentimos em casa logo de cara. Passeamos bastante, fomos ao Forte e a Mesquita principal, e eramos atraçoes de fotos e olhares. Ninguem nos largava. E a simpatia do povo era absurda. E de novo aquela cena engraçada de muitos amigOs andando de maos dadas, sem querer dizer nada, apenas “eu amo meu amigo”.

A mesquita principal!

Um pouco mais!

Brincquedos para criancada na rua!

Aproveitamos para ir ate a fronteira do Paquistao com a India, onde eles fazem aquele show de provocaçoes. O show comecou logo quando os países se separaram, e nunca mais parou, ha mais de 60 anos existe todos os dias, e sempre está lotado. Basicamente  se formam duas torcidas, como de futebol, em cada lado do portao da fronteira, para gritar: Paquistao, Paquistao ou, India, India, tipo uma provocao de brincadeira, uma forma divertida e descontríida de levar uma rivalidade tao seria.

La havia uma arquibancada para os homens, outra para as mulheres, e outras para as familias, e uma ainda para os turistas. Quando chegamos, o Gui e o Marco estavam com a camiseta de cricket do Paquistao, e ao entrar, imagina!, os homens  se animaram na arquibancada de ver os turistas com a camiseta do seu país, e os dois tascaram um beijo espontaneo na camiseta que foi ovacionado pela torcida. Eles gritavam, de pés na arquibancada, emocionados com os tais turistas. Tinha um senhorzinho que provavelmente era animador de torcida desde o comeco destes shows e que era uma simpatia, alem de uma figura engraçada. Acho que devia ter uns 70 anos. Da para imaginar que ele morrerá de infarto num desses shows nos proximos anos. Todos nos torcemos como loucos, e eu me sentia tao torcedora como no final de uma copa do mundo, tamanho é o amor que passei a ter pelo Paquistao depois de quase um mes de viagem.

Portao de entrada do show!

O senhorzinho!

Show!

O lado das mulheres! Nao sao lindas?!!!!

O lado dos homens!!!

Os grandes torcedores!

As torcidas nao tiravam os olhos da gente e estavam super alegres de verem turistas tao envolvidos na gritaria pelo Paquistao e, nao simplesmente indo la, de forma imparcial para ver um show. Quando acabou, formou rodas de pessoas querendo nos conhecer, tirar fotos, apertar nossa mao, convidar para ir agora para a casa deles e largar o hotel que estavamos. Chegou um ponto, que surgiu até papéis para escrevermos os emails, ou simplesmente assinar, como um autografo.

Incrivel!

Eles nao entendiam  o que brasileiros estavam fazendo ali e porque gostavamos tanto do Paquistao.  Nos agradeceram inumeras vezes, pela camiseta e pela torcida que fizemos “contra” a India, e nós diziamos, ” a gente ‘e que agradece por estar aqui. O Paquistao é o nosso país favorito.” Eles nao sabiam o que fazer de alegria. Diziam ” voces veem como nao somos só terroristas, como tem gente boa por aqui também? Conte para as pessoas do seu país quando voces voltarem…”

Na saída!

Sem dúvida, o Paquistao é um dos países mais incríveis da nossa viagem, entre os mais de 45  visitados, é sem dúvida um dos TOP 5.  Jula Jula Paquistão, como dizia a torcida, e nunca vou esquecer. Nao sei o que significa, mas  nao importa! Valeu muito!